segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Matéria de capa da revista Isto é: "O novo retrato da fé no Brasil" Uma analise teológica e sociológica
Pesquisas indicam o aumento da migração religiosa entre os brasileiros, o surgimento dos evangélicos não praticantes e o crescimento dos adeptos ao islã.
Acaba de nascer no País uma nova categoria religiosa, a dos evangélicos não praticantes. São os fiéis que creem, mas não pertencem a nenhuma denominação. O surgimento dela já era aguardado, uma vez que os católicos, ainda maioria, perdem espaço a cada ano para o conglomerado formado por protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. Sendo assim, é cada vez maior o número de brasileiros que nascem em berço evangélico – e, como muitos católicos, não praticam sua fé. Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram, na semana passada, que evangélicos de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de insignificantes 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são quatro milhões de brasileiros a mais nessa condição. Essa é uma das constatações que estatísticos e pesquisadores estão produzindo recentemente, às quais ISTOÉ teve acesso, formando um novo panorama religioso no País.
Isso só é possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem esse espaço com essas lideranças. Assim, muitas vezes, os fiéis interpretam a sua trajetória e o mundo que os cerca de uma maneira pessoal, sem se valer da orientação religiosa. Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre os que se dizem sem religião (ateus, agnósticos e os que creem em algo, mas não participam de nenhum grupo religioso). É muito provável, portanto, que os evangélicos pesquisados pelo IBGE que se disseram desvinculados da sua instituição estejam, como muitos brasileiros, experimentando outras crenças.
É cada vez maior a circulação de um fiel por diferentes denominações – ao mesmo tempo que decresce a lealdade a uma única instituição religiosa. Em 2006, um levantamento feito pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) e organizado pela especialista em sociologia da religião Sílvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), verificou que cerca de um quarto dos 2.870 entrevistados já havia trocado de crença. Outro estudo, do ano passado, produzido pela professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais e religião da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), para seu trabalho de pós-doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que 53% das pessoas (o universo pesquisado foi de 433 evangélicos) já haviam participado de outros grupos religiosos.
“Os indivíduos estão numa fase de experimentação do religioso, seja ele institucionalizado ou não, e, nesse sentido, o desafio das igrejas estabelecidas é maior porque a pessoa pode escolher uma religião hoje e outra amanhã”, afirma Sílvia, da UFRRJ. “Os vínculos são mais frouxos, o que exige das instituições maior oferta de sentido para o fiel aderir a elas e permanecer. É tempo de mobilidade religiosa e pouca permanência.” Transitar por diferentes crenças é algo que já ocorre há algum tempo. A intensificação dessa prática, porém, tem produzido novos retratos. Denominadores comuns do mapa da circulação da fé pregam que católicos se tornam evangélicos ou espíritas, assim como pentecostais e neopentecostais recebem fiéis de religiões afro-brasileiras e do protestantismo histórico. Estudos recentes revelam também que o caminho contrário a essas peregrinações já é uma realidade.
Em sua dissertação de mestrado sobre as motivações de gênero para o trânsito de pentecostais para igrejas metodistas, defendida na Umesp, a psicóloga Patrícia Cristina da Silva Souza Alves verificou, depois de entrevistar 193 protestantes históricos, que 16,5% eram oriundos de igrejas pentecostais. Essa proporção era de 0,6% (27 vezes menor) em 1998, como consta no artigo “Trânsito religioso no Brasil”, produzido pelos pesquisadores Paula Montero e Ronaldo de Almeida, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Para Patrícia, o momento econômico do Brasil, que registra baixos índices de desemprego e ascensão socioeconômica da população, reduz a necessidade da bênção material, um dos principais chamarizes de uma parcela do pentecostalismo. “Por outro lado, desperta o olhar para valores inerentes ao cristianismo, como a ética e a moral cristã, bastante difundidas entre os protestantes históricos”, afirma.
Em busca desses valores, o serralheiro paraibano Marcos Aurélio Barbosa, 37 anos, passou a frequentar a Igreja Metodista há um ano e meio. Segundo ele, nela o culto é ofertado a Deus e não aos fiéis, como acontecia na pentecostal Assembleia de Deus, a instituição da qual Barbosa foi devoto por 16 anos, sendo sete como presbítero. O serralheiro cumpria à risca os rígidos usos e costumes impostos pela denominação. “Eu não vestia bermuda nem dormia sem camisa, não tinha tevê em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à praia porque era pecado”, conta. Com o tempo, o paraibano passou a questionar essas proibições e acabou migrando. “Na Metodista encontrei um Deus que perdoa, não um justiceiro.”
A teóloga Lídia Maria de Lima irá defender até o final do ano uma dissertação de mestrado sobre o trânsito de evangélicos para religiões afro-brasileiras. A pesquisadora já entrevistou 60 umbandistas e candomblecistas e verificou que 35% deles eram evangélicos antes de entrar para os cultos afrosumbanda ou ao candomblé revela, quase sempre, passagens por grupos de matriz africana em algum momento de suas vidas. Pai de santo há dois anos, o contador Silvio Garcia, 52 anos, tem a ficha religiosa marcada por cinco denominações distintas – e a umbanda é uma delas. Foi aos 14 anos, frequentando reuniões na casa de uma vizinha, que Garcia, batizado na Igreja Católica, aprendeu as magias da umbanda. Nessa época, também era assíduo frequentador de centros espíritas. Aos 30, ele passou a cursar uma faculdade de teologia cristã e, com o diploma a tiracolo, tornou-se presbítero de uma igreja protestante. Um ano depois, migrou para uma pentecostal, onde pastoreou fiéis por seis anos. “Mas essas igrejas comercializam a figura de Cristo e eu não me sentia feliz com a minha fé”, diz. A teóloga Lídia Maria de Lima irá defender até o final do ano uma dissertação de mestrado sobre o trânsito de evangélicos para religiões afro-brasileiras. A pesquisadora já entrevistou 60 umbandistas e candomblecistas e verificou que 35% deles eram evangélicos antes de entrar para os cultos afros. Preterir as denominações cristãs por religiões de origem africana é outro tipo de migração até então pouco comum. Não é, porém, uma movimentação tão traumática, uma vez que o currículo religioso dos ex-evangélicos convertidos à umbanda ou ao candomblé revela, quase sempre, passagens por grupos de matriz africana em algum momento de suas vidas. Pai de santo há dois anos, o contador Silvio Garcia, 52 anos, tem a ficha religiosa marcada por cinco denominações distintas – e a umbanda é uma delas. Foi aos 14 anos, frequentando reuniões na casa de uma vizinha, que Garcia, batizado na Igreja Católica, aprendeu as magias da umbanda. Nessa época, também era assíduo frequentador de centros espíritas. Aos 30, ele passou a cursar uma faculdade de teologia cristã e, com o diploma a tiracolo, tornou-se presbítero de uma igreja protestante. Um ano depois, migrou para uma pentecostal, onde pastoreou fiéis por seis anos. “Mas essas igrejas comercializam a figura de Cristo e eu não me sentia feliz com a minha fé”, diz.
Uma diferença básica entre os sexos é que as mulheres mudam de religião em busca de graça para quem está a sua volta (a cura para filhos e maridos doentes ou a recuperação do casamento, por exemplo). Já os homens são motivados por problemas de fundo individual.
Segundo o escritor Pinto, que também é professor de antropologia da religião na Universidade Federal Fluminense, o islã permite aos adeptos uma inserção e compreensão sobre questões atuais, como, por exemplo, a Palestina, a Guerra do Iraque e segurança internacional, para as quais outros sistemas religiosos talvez não deem respostas. “Se a adoção do cristianismo em contextos não europeus do século XIX pôde ser definida com uma conversão à modernidade, a entrada de brasileiros no islã pode ser vista como uma conversão à globalização”, escreve ele, em seu livro.
É cada vez mais comum, no País, fiéis rezando com a cartilha da autonomia religiosa. Esse chega para lá na fé institucionalizada tem conferido características mutantes na relação do brasileiro com o sagrado, defende a professora Sandra, de ciências sociais e religião da Umesp. “Deus é constituído de multiplicidade simbólica, é híbrido, pouco ortodoxo, redesenhado a lápis, cujos contornos podem ser apagados e refeitos de acordo com a novidade da próxima experiência.” Agora é o fiel quem quer empunhar a escrita de sua própria fé.
Fonte: Isto é
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